Existe
uma frase muito lembrada em tempos de guerra que diz que, para salvar uma
cidade, é preciso destruir esta cidade.Foi isto o que aconteceu na cidade síria
de Qusair. Antes de mergulhar nas batalhas que devastam o país há 18 meses,
Qusair era uma cidade próspera na fronteira, com 30 mil habitantes e cercada de
bosques de oliveiras e damascos.
Agora,
de acordo com as autoridades, apenas 500 pessoas ainda vivem na cidade, que
está quase toda em ruínas.
Na
segunda visita da reportagem da BBC a Qusair desde que foi recuperada pelas
forças do governo, na quarta-feira, encontramos um lugar mais calmo, nada do
nervosismo ou das comemorações frenéticas presenciadas logo depois da batalha.
Há
mais trânsito nas ruas, mas é quase todo de soldados andando em tanques ou
caminhões, motos ou bicicletas.A maioria dos veículos leva pilhas de colchões,
TVs, refrigeradores e móveis, enquanto os militares vão percorrendo os prédios
pegando tudo aquilo que conseguem carregar.
Encontramos
apenas uma família ─ que havia fugido da cidade há um ano quando os rebeldes
capturaram Qusair e estava voltando para casa. Eles voltaram para um lugar que
não reconhecem mais.Os telhados e as paredes do imóvel estão esburacados,
persianas exibem marcas de bala e o chão está coberto com o que restou da época
em que os rebeldes ocuparam o lugar.
Grupo
sanguíneo
Abu
Samar, o chefe da família, examina os objetos deixados pelos rebeldes e
encontra uma mira de rifle, um coldre de pistola, as anotações de alguém
durante uma aula de ensinamentos islâmicos, um console de video game. Camisetas
com símbolos das Brigadas Farouk do Exército Livre da Síria estão jogadas em
uma cadeira.
Grudada
na parede está uma lista escrita à mão com os grupos sanguíneos dos combatentes
que viveram no local.A esposa de Abu Samar junta rapidamente os objetos que a
família deixou para trás, incluindo brinquedos das crianças e almofadas.
"Você
voltará a viver aqui?", pergunto."Não, nunca", responde a
mulher, tentando controlar o choro.
Abu
Samar e a esposa voltam para o carro e se afastam rapidamente da casa, levando
seus pertences e percorrendo ruas onde outras casas estão tão depredadas quanto
a deles.Mais preocupante até do que a devastação física da cidade de Qusair é a
destruição da estrutura social.
Descendo
uma rua, a igreja de São Elias simboliza como os sírios de muitas religiões já
conseguiram viver juntos na cidade.Mas, atualmente, a igreja cristã não foi
apenas destruída, também foi profanada pelos combates.O piso de mármore está
forrado pelo lixo e vidros quebrados. Ícones religiosos foram depredados,
livros de orações queimados e o altar foi destruído.
Preço
Do
outro lado de Qusair, perto de um hospital destruído e que já tinha sido usado
pelos dois lados como uma espécie de base, perguntamos a um grupo de soldados
sobre o preço que a cidade está pagando.
"É
doloroso ver estas ruínas. Custou muito para construir este hospital, os
impostos (pagos) pela minha família e outras famílias", disse um dos
jovens, que está prestando o serviço militar, mas usa roupas civis.
"As
pessoas vão voltar. Elas vão voltar para uma cidade que será ainda melhor e
suas vidas serão melhores do que antes", disse outro jovem soldado.Os dois
culpam os rebeldes pela destruição de Qusair.
As
linhas de combate em Qusair e em grande parte da Síria são traçadas em linhas
cada vez mais políticas e sectárias e estão até mais definidas agora que os
membros do Hezbollah, vindos do Líbano, já juntaram forças com os soldados do
governo sírio.Eles caminham livremente pelas ruas de Qusair e um deles se
aproxima da reportagem da BBC usando uma faixa na cabeça com as cores do
movimento, amarelo e verde.
"Não
foi difícil", responde o combatente quando questionado sobre a última
batalha e acrescenta que os libaneses agora entram e saem do país em um sistema
de rotação."Porque eles não lutariam conosco?", pergunta um soldado
ao ser questionado sobre a presença do Hezbollah no país. "O outro lado
está trazendo combatentes da Líbia, da Arábia Saudita, da Tunísia, do Afeganistão.
Metade do mundo está lutando na Síria."
Qusair
virou notícia no mundo por ser uma pequena cidade em um local estratégico, se
tranformando em um prêmio precioso de uma violenta batalha. Seus habitantes
agora estão espalhados em vilarejos próximos, em escolas e nas ruas, e alguns
fugiram para o Líbano.Ainda não se sabe quantos foram mortos na cidade, mas
Qusair agora é uma cidade que morreu.
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